Este 7 de setembro marca o 200º aniversário da proclamação da Independência do Brasil em 1822. Por que o Brasil ficou tão aquém de seu potencial e agora ameaça ficar ainda mais para trás?
A história do Brasil é a história de uma enorme promessa. A história de uma nação que, mais do que qualquer outra, cumpriu os requisitos para ser pacífica e próspera.
Por que o Brasil não conseguiu cumprir sua grande promessa? Por que cerca de 63 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza ? Por que a insegurança alimentar afeta 125 milhões de pessoas? Por que apenas 1% da população concentra 50% da renda nacional e por que menos de 1% dos proprietários de terras agrícolas possui 45% da área rural do país ?
Por que há tão poucos afro-brasileiros em cargos gerenciais, embora mais da metade da população seja negra? E por que 50.000 pessoas são mortas todos os anos, ou seja, 130 todos os dias? O “país do futuro”, tão elogiado pelo escritor vienense Stefan Zweig em 1941 depois de reconhecer o seu enorme potencial, ainda espera por esse futuro, 200 anos após a sua independência.
Uma monarquia e falhas que persistem
Na sua fundação, em 1822, a nação brasileira já vinha com um defeito: diferentemente das colônias de língua espanhola na América Latina, não se tornou uma república, mas uma monarquia. O primeiro chefe de estado foi o imperador Pedro I, originalmente o príncipe herdeiro de Portugal.
Mas, embora Pedro I prometesse parar a importação de escravos, os proprietários de terras traficantes ignoraram a medida. A elite branca considerava que a exploração e repressão de outros seres humanos era seu direito, o que justificava com argumentos racistas. Essa mentalidade continua sendo uma característica da elite brasileira até hoje.
A escravidão é a grande vergonha do Brasil
Somente em 1888 foi proclamado o fim da escravidão no Brasil, último país da América a abolir essa prática. Nos séculos XIX e XX, centenas de milhares de portugueses, italianos, espanhóis e alemães empobrecidos imigraram, em condições iniciais completamente diferentes das dos escravos africanos.
Estes últimos foram libertados, sem capital inicial, sem formação, sem terra, sem emprego, sem sequer um pedido de desculpas. Assim foram lançadas as bases para a continuação da sua dependência e exploração, com todos os problemas resultantes. Até hoje.
A escravidão é a grande vergonha do Brasil. A sua perpetuação sob outro nome e o que isso implica constituem um gigantesco obstáculo para o país.
Ditadura que não entregou contas
Ao longo de 200 anos, a ordem social vertical do Brasil praticamente não mudou, apesar dos impulsos de modernização intermitentes, por exemplo, com a criação do Estado Novo sob Getúlio Vargas. Na década de 1950, o Brasil sediou a Copa do Mundo de Futebol, a Petrobras foi fundada e a nova capital, Brasília, inaugurada em 1960, tornou-se o símbolo da tão sonhada grandeza do país.
Apenas quatro anos depois os militares poriam fim ao sonho: em 1º de abril de 1964, os generais deram um golpe, apoiado pelos Estados Unidos e justificado pela existência de atividades comunistas no país.
Durante os 21 anos da ditadura militar, segundo a Comissão Nacional da Verdade, foram assassinados 434 presos políticos, além de 8.500 indígenas; dezenas de milhares foram presos e torturados. Esses crimes nunca foram investigados judicialmente, e essa é uma das razões pelas quais ainda hoje a política brasileira está sob a influência negativa dos militares.
No entanto, nos primeiros anos após a redemocratização, um velho problema brasileiro que havia sido varrido para debaixo do tapete durante a ditadura tornou-se evidente: a corrupção. Também um problema principalmente das classes altas, com acesso a fundos públicos que aparentemente consideram normal o desfalque.
novamente na encruzilhada
A convicção de que o Brasil deveria finalmente ser mais justo levou Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda, ao poder no início do século XXI. O ex-sindicalista lançou programas de combate à pobreza, o flagelo cruel da nação. Foram anos de crescimento econômico.
Mas então veio a queda: o país mergulhou em uma crise econômica, acompanhada por um gigantesco escândalo de corrupção em torno da Petrobras. Seguiu-se uma crise política, social e moral.
As crises são sempre bons momentos para os extremistas, e em 2018 o político de extrema-direita Jair Bolsonaro foi eleito presidente. É um retrocesso, começou a demolir o Estado e a cortar massivamente o financiamento da educação, da cultura e, sobretudo, da proteção ambiental.
No aniversário de 200 anos de sua independência, o Brasil se encontra mais uma vez em uma encruzilhada: ser mais moderno, mais justo e finalmente ativar seu potencial para o bem de todos; ou regredir ainda mais em um passado sombrio.
(jovem).DW
*Philipp Lichterbeck é colunista e correspondente da DW no Brasil