Neste sábado, aos 94 anos de idade, faleceu a renomada artista plástica baiana Lygia Sampaio. Ela foi reconhecida como a única mulher a participar, nas décadas de 1940 e 1950, de um movimento artístico marcado pelo experimentalismo estético que definiu o modernismo nas artes visuais de Salvador. Ao lado de colegas que posteriormente se tornariam famosos, como Mario Cravo, Caribé, Rubem Valentim e Carlos Bastos, Lygia deixou sua marca na cena artística da época.
A carreira de Lygia teve início em 1948, quando ingressou na Escola de Belas Artes aos 20 anos, desafiando os padrões vigentes da sociedade ao aventurar-se em lugares considerados “impróprios” para uma mulher naquela época. Sua incursão pela vida popular urbana de Salvador é evidente em suas pinturas e desenhos.
Lygia Sampaio expressou suas memórias e vivências por meio de sua arte, como ela mesma relatou em depoimento registrado no catálogo de sua exposição em 1981: “No atelier da Barra mostrávamos o que fazíamos, era um ambiente alegre e encorajador. Por vezes saíamos juntos, conversando os nossos assuntos, passeávamos inocentemente pela cidade, do Rio Vermelho a Ribeira e Plataforma, buscando uma intimidade maior, visual e sensitiva, com a cidade que era a nossa fonte de motivos e de inspiração.”
Lygia Sampaio nasceu em 1928, em Salvador, Bahia, e iniciou sua formação artística no Curso Livre de Desenho e no primeiro ano da Escola de Belas Artes da UFBA. Ela frequentou o ateliê de Mário Cravo e participou do movimento renovador das artes plásticas baianas ao lado de importantes artistas como Mario Cravo, Caribé, Rubem Valentim, Genaro de Carvalho, Jenner e Carlos Bastos.
A artista teve presença marcante nos Salões Baianos de Belas Artes em diversas edições entre 1949 e 1955, recebendo menção honrosa tanto em pintura (1951) quanto em desenho (1954 e 1955). Ela também expôs no Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1952, onde estudou com Santa Rosa. Ao longo de sua carreira, Lygia teve como mestres Presciliano Silva, Mendonça Filho e Alberto Valença.
Além de sua dedicação à arte, Lygia Sampaio trabalhou por 30 anos no Arquivo da Prefeitura de Salvador e se formou em Museologia pela UFBA em 1975. Ela também foi responsável pela implantação do Museu de Imprensa da ABI.
Lygia realizou exposições coletivas e individuais ao longo de sua trajetória, com destaque para sua mostra individual no Belvedere da Sé em 1955 e a exposição de 1984 no Núcleo de Artes do Desembanco, instituição onde trabalhou por doze anos e cujo acervo conta com algumas de suas obras. Em 2014, no Museu de Arte Sacra de Salvador, a artista apresentou sua última exposição intitulada “Lygia Sampaio 60 anos de pena e pincel”, exibindo trabalhos em óleo, aquarela, desenhos a bico de pena e técnica mista, datados de 1949 a 2014.
Ao longo de sua carreira, Lygia Sampaio recebeu reconhecimento e elogios de diversos artistas e críticos. Carybé destacou a emoção presente em suas pinturas, retratando ruas, becos e pessoas da vida que ela vivia. Carlos Bastos ressaltou sua presença como uma figura feminina no movimento artístico que rompeu com a pintura acadêmica, descrevendo-a como suave, tímida e corajosa. Mário Cravo, companheiro e amigo de Lygia, enfatizou a vivacidade e a sensibilidade de sua arte, enquanto Myriam Fraga mencionou a transferência da personalidade modesta e delicada de Lygia para suas telas, expressas através de um desenho fluente, gracioso e expressivo.
Matilde Matos, crítica de arte e curadora, elogiou o talento inato de Lygia Sampaio, destacando a força de seu desenho preciso e criativo, assim como a expressividade de sua pintura. Cesar Romero observou que em suas obras surgem santos de devoção, naturezas-mortas e igrejas, refletindo a memória baiana que ela incorporou em seu estilo. Ele mencionou o diálogo sutil entre as letras dos jornais presentes em suas colagens e a trama densa criada por linhas sobrepostas, ressaltando a figura humana como destaque.
A partida de Lygia Sampaio representa uma perda significativa para as artes plásticas, especialmente na Bahia, onde deixou sua marca como uma das pioneiras do modernismo e uma importante figura feminina no movimento artístico da época. Seu legado permanecerá como um testemunho de sua sensibilidade artística e sua contribuição para a cultura da região.