A exemplo de outros países, o Brasil vai testar o impacto da jornada de trabalho semanal de quatro dias. O experimento, que acontecerá entre junho e dezembro deste ano, é fruto de uma parceria entre a organização sem fins lucrativos 4 Day Week, que conduz testes globais sobre a carga horária reduzida, e a brasileira Reconnect Happiness at Work.
Mas quando a empresa permite que os funcionários reduzam sua semana de trabalho de cinco para quatro dias, o que eles fazem no seu novo tempo livre? O Boston College foi atrás das respostas. E elas surpreenderam os pesquisadores: as horas “vagas” são aproveitadas para dormir.
Os trabalhadores que passaram a trabalhar 32 horas semanais registraram 7,58 horas por noite de sono, quase uma hora inteira a mais do que quando mantinham 40 horas semanais de trabalho, de acordo com a pesquisadora Juliet Schor, socióloga e economista do Boston College.
A instituição está monitorando mais de 180 organizações em todo o mundo à medida que estas mudam seu regime de trabalho para uma jornada mais curta, por meio de programas-piloto de seis meses.
Em outras palavras: eles passaram quase sete de suas oito horas recuperadas por semana cochilando, em vez de mandar mensagens ou socializar com amigos.
– Não fiquei surpresa que as pessoas estejam dormindo um pouco mais, mas me surpreendi com o quão robustas foram as mudanças – disse Juliet.
O percentual de pessoas consideradas privadas de sono, com menos de sete horas por noite, caiu de 42,6% para 14,5% nas jornadas de trabalho de quatro dias.
As pesquisas de Juliet com 304 trabalhadores em 16 empresas (três com sede nos EUA, uma na Austrália e 12 na Irlanda) rastreiam um conjunto de testes globais de seis meses realizados pela 4 Day Week Global, que levaram as empresas em todos os setores a repensar como, onde e quando o trabalho é feito.
Com pandemia, semana reduzida ganhou força
O conceito de semanas de trabalho reduzidas está ganhando força desde que a pandemia alterou os horários e deu a muitos trabalhadores um vislumbre de como a flexibilidade poderia melhorar suas vidas.
Enquanto chefes mais exigentes, de Elon Musk, da Tesla, a Jamie Dimon, do JPMorgan Chase & Co, estão pressionando para que os funcionários retornem aos horários pré-pandemia, outras vozes de peso estão endossando semanas de trabalho mais curtas.
O quarterback do Tampa Bay Buccaneers, Tom Brady, ex-marido da supermodel brasileira Gisele Bündchen, e Adam Aron, executivo-chefe da AMC Entertainment Holdings, são exemplo, e, recentemente, se manifestaram a favor de mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Nem todas as empresas que iniciam esses testes de quatro dias os concluem. Aproximadamente um em cada cinco empregadores acabam desistindo, a maioria durante a fase de pré-planejamento. Os executivos que realizaram os pilotos dizem que enfrentam o duplo desafio de superar as normas de cinco dias da equipe e da indústria, juntamente com a tarefa complicada de remover o trabalho desnecessário para obter a mesma produção em quatro dias.
Para aqueles que o optam pela semana de trabalho mais curta, o enorme ganho de sono pode parecer contraprodutivo. Será que é por que os funcionários que tiram folga às sextas-feiras acabam dormindo uma hora extra todas as noites da semana em vez de desfrutar de hobbies, família e socialização?
Christopher Barnes, professor de administração da Michael G. Foster School of Business, da Universidade de Washington, afirma que os horários de quatro dias diminuem as restrições de tempo em geral, reduzindo a necessidade de enviar um e-mail ou dobrar a roupa às 22h.
– As pessoas não são apenas funcionários e dorminhocos. Também somos membros da família e cônjuges e membros da comunidade e pais, e se não alocarmos tempo para cada uma dessas funções, as coisas se acumulam – disse Barnes.
Outros estudos mostraram uma conexão entre o sono e as horas de trabalho, especialmente em empregos propensos a longas horas.
– O sono e o trabalho estão em competição um com o outro . E quando você troca o sono pelo trabalho, é problemático. Você sacrifica sua saúde e tem resultados ruins no trabalho – acrescenta Barnes.
Segundo ele, as consequências do sono baixo incluem comportamento antiético, menor envolvimento no trabalho, comportamento menos útil em relação aos colegas, tendências de liderança mais abusivas e agressivas.
Equilíbrio trabalho-família
Os dados preliminares deJuliet Schor mostram que os trabalhadores em jornadas de quatro dias que participaram do estudo viram melhorias em uma variedade de medidas de bem-estar e produtividade, como satisfação com a vida e equilíbrio trabalho-família. Ela disse que esses resultados podem estar correlacionados com o tempo adicional gasto dormindo.
Clete Kushida, professora de medicina do sono da Universidade de Stanford, disse que aumentar o sono noturno provavelmente deve ajudar os trabalhadores a ver uma combinação de melhora do humor, memória e foco aprimorados de curto prazo, habilidades de funções executivas mais altas e menos comportamento de risco.
– Mais sono é sempre bom. As melhorias variam de pessoa para pessoa, mas o maior efeito seria o estado de alerta ao longo do dia – acrescentou a professora da Universidade de Stanford.