A Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa promoveu, na última quarta-feira (7), uma audiência pública sobre o “Funcionamento das Deams e rede especializada de atendimento às mulheres vítimas de violência”. Parlamentares, representantes de órgãos públicos estaduais, gestoras públicas de secretarias municipais, dirigentes de associações e sindicatos participaram da sessão, na Sala Deputado José Amando, proposta pela deputada Olívia Santana (PC do B). Na abertura dos trabalhos, a comunista salientou que a iniciativa visa fortalecer e ampliar as políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e de gênero na área da segurança pública.
De acordo com a legisladora, atualmente a Bahia dispõe de 24 núcleos da Ronda Maria da Penha (RMP), 15 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam), 7 Núcleos Especializados de Atendimento à Mulher (Neam) e uma Sala Lilás em Salvador. Olívia apresentou dados, da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) com o registro das ocorrências de violência contra as mulheres na Bahia, no período de 1º de janeiro a 30 de abril de 2023. Foram 18.008 ameaças, 1.213 estupros, 549 registros de importunação sexual, 4.887 casos de injúria, 7.914 ocorrências por lesão corporal, 139 tentativas de feminicídio e 28 assassinatos de mulheres vítimas de feminicídio, sendo 6 na Região Metropolitana de Salvador e 22 crimes no interior.
“As Deams são essenciais para acolher as mulheres, mas é preciso que o atendimento seja humanizado, com inquéritos mais objetivos e céleres, para que a justiça possa se fazer com mais rapidez. Nossa intenção é enfrentar a violência, apontando políticas públicas que sejam propostas e realizadas. Temos que lutar pela redução desses indicadores de violência tão graves”, afirmou a também presidente da Comissão de Educação e Cultura da Casa Legislativa. Para Olívia Santana, diversos tipos de encaminhamentos serão retirados, inclusive com a possível destinação de recursos das emendas parlamentares para a Secretaria das Políticas para as Mulheres (SPM) e para a Secretaria da Promoção da Igualdade (Sepromi), já que mulheres e negros são as principais vítimas da violência, além do fortalecimento e reestruturação das Deams, com mais delegadas e cobertura de mulheres no atendimento, garantindo um maior diágolo com a administração pública.
Mesmo sendo da oposição, a deputada Kátia Oliveira (UB) ressaltou que a luta contra a violência doméstica e de gênero “é uma causa suprapartidária, sendo fundamental a própria mulher combater, falar, não se calar diante das constantes e crescentes agressões”. A vice-presidente do Colegiado dos Direitos da Mulher lembrou que em Simões Filho, sua base eleitoral, a gestão municipal implantou há dois anos o Programa Bolsa Auxílio, beneficiando até agora 64 mulheres vítimas de violência na cidade. “Melhor seria se a Prefeitura não tivesse esse tipo de despesa, mas seria bom que o Governo do Estado também resolvesse pagar este auxílio, como forma de proteger as mulheres na questão financeira”, sugeriu a parlamentar, acrescendo que já fez indicação nesse sentido direcionada ao chefe do Executivo estadual.
A deputada Ludmilla Fiscina (PV) considera importante ouvir a sociedade, aqueles que estão na ponta dos problemas, para avançar ainda mais, contando com a participação de policiais civis, policiais militares, conselhos de defesa da mulher e defensoria pública. Ela defende mais debates, como maneira de fortalecer os órgãos envolvidos e o surgimento de outros temas, como, por exemplo, a violência política. “Aqui na Assembleia são 63 parlamentares, mas com uma bancada feminina de apenas 10 deputadas. 2024 é um ano político, com eleições municipais, e as mulheres precisam avançar cada vez mais”, declarou Ludmilla.
AÇÕES
Camila Batista, superintendente de Enfrentamento à Violência da Secretaria Estadual das Políticas para as Mulheres, fez uma explanação das ações da SPM-BA, que vem tomando na construção de dois programas. O primeiro deles é voltado para a prevenção e enfrentamento da violência, trabalhando diretamente no processo de formação nas escolas, especificamente quanto à violência de gênero. “A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que vamos demorar 300 anos para chegar à igualdade de gênero e precisamos encurtar esse processo, com as próximas gerações sendo formadas em outro patamar”, definiu.
A gestora explicou ainda que a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher tem trabalhado fortemente com a ampliação de algumas estruturas de Estado, a exemplo do Programa Casa da Mulher Brasileira, criado em 2014, e que foi paralisado há alguns anos. “Com o retorno deste programa, a Bahia será contemplada com quatro unidades, sendo três casas no interior e uma na capital baiana, que está em fase de conclusão. A atuação da SPM é trabalhar a prevenção na educação, mas também trabalhar o enfrentamento com ampliação da estrutura para que as mulheres se sintam acolhidas”, garantiu a superintendente, que anunciou também a criação de um Grupo de Trabalho no âmbito das secretarias estaduais, para debater a violência política de gênero e de raça contra as mulheres.
Outra palestrante da audiência pública foi a delegada-geral adjunta da Polícia Civil, Elaine Nogueira, que apresentou estatísticas sobre o mapa da violência contra as mulheres no Estado, geralmente 84% negras, na faixa de 18 a 34 anos. A delegada falou sobre a falta de um maior número de funcionários que prestam serviço nas Deams, defendeu novas diretrizes para melhorar o atendimento nas unidades, proporcionando mais proteção às mulheres vítimas de tentativas de feminicídio e agressões. Elaine Nogueira disse que a Polícia Civil é a principal porta de entrada da mulher vítima de violência e que as Deams devem contar sempre com uma equipe multidisciplinar para maior atenção e assistência social e terapêutica para as vítimas. “Entre os nossos principais desafios estão um olhar diferenciado e especializado com o recém-criado Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Pessoas Vulneráveis”, destacou a delegada-geral adjunta da Polícia Civil. Representando o Conselho de Defesa dos Direitos das Mulheres do Estado da Bahia (CDDM-BA), Andrea Almeida advoga a implantação de novos conselhos municipais, permitindo que as mulheres possam participar de mais rodas de conversas, conhecendo os seus direitos a partir da Lei Maria da Penha.
DEPOIMENTO
“É preciso pautar este debate de forma muito séria, afinal a cada dois minutos uma mulher é estuprada e a cada seis horas uma mulher é morta no Brasil. Precisamos lutar, vencer e transformar esta situação que atormenta a vida de tantas mulheres”, pontuou a promotora Lívia Almeida, assegurando que a Defensoria Pública é uma instituição autônoma que trabalha, tanto na capital quanto no interior, pelas pautas de interesse da população, sendo uma parceira comprometida na luta dos direitos das mulheres.
A investigadora de polícia, diretora da SPM e representante do Sindicato dos Policiais Civis (Sindipoc-BA), Débora Araújo, entende a necessidade da mulher ser bem atendida nas unidades policiais quando vão fazer um boletim de ocorrência. “Somos mulheres e temos colegas que também são vítimas da violência. E quando a mulher se sente acolhida, tem mais condições de formalizar a denúncia”, revelou. A major PM Tereza Raquel, coordenadora de operações em Salvador da Ronda Maria da Penha, também fez um breve pronunciamento na sessão.
Após agradecer a presença de todos, a deputada Olívia Santana concedeu a palavra à jovem Roseane Pereira, de 21 anos, moradora de Juazeiro e estudante de Comunicação Social. No seu emocionante depoimento, ela contou o drama que viveu em família, quando o pai trancava a mãe no quarto da casa e ameaçava matar a esposa. Roseane contou que foi um tempo de muito sofrimento, mas que as duas mulheres conseguiram sair da residência e fazer uma denúncia. A estudante fala, com orgulho, que posteriormente conseguiu convencer o pai a fazer um tratamento psicológico e hoje os três vivem felizes sob o mesmo teto. “Meu pai é outra pessoa. Aprendeu a nos respeitar. Mulheres, lutem, combatam, sejam o próprio poder que vocês querem conquistar”, finalizou a jovem.
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