A Assembleia Legislativa, através da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviços Públicos, realizou, nesta quarta-feira (13), a audiência pública “Projetos em Andamento sobre a Primeira Infância na Educação da Bahia”, com a participação de gestores estaduais e de lideranças de entidades e movimentos sociais. O debate foi solicitado pela Coletiva Mahin Organização de Mulheres Negras para os Direitos Humanos e o Geledés Instituto da Mulher Negra, com o objetivo de monitorar as políticas da educação infantil, mapeando e fortalecendo as iniciativas de enfrentamento ao racismo.
Para a presidente do colegiado, deputada Fabíola Mansur (PSB), as creches representam a política de inclusão da mulher na sociedade, que dependem delas para serem autônomas e ter independência econômica. Ela apontou que ainda existe muita desigualdade na área educacional, defendendo que o debate passa defesa da ampliação do número de creches, da oferta e vagas e a qualidade do atendimento: “A base da pirâmide são as crianças pobres, negras, faveladas e periféricas, então queremos vencer essa desigualdade histórica na primeira infância, inclusive na capital baiana, que tem o grave problema da falta de creches, criando um gargalo entre ricos e pobres”.
Proponente da sessão, a deputada Olívia Santana (PCdoB) não pode comparecer à reunião por problema de saúde, mas enviou uma mensagem aos participantes, salientando “acreditar muito na educação como uma estratégia de transformação e empoderamento das pessoas”. A parlamentar, que preside a Comissão dos Direitos da Mulher na ALBA, reafirmou o compromisso com a luta por uma política nacional de creche e educação infantil e também com o regime de colaboração entre a União, Estados e Municípios. “Eu, que já fui faxineira, merendeira, professora e até secretária municipal de educação, sei do valor da educação para a transformação da vida das pessoas”, ressaltou a comunista, assegurando aos movimentos sociais o apoio do seu mandato para o avanço desta pauta na casa e no governo estadual.
Membro titular do colegiado de Educação, o deputado Bira Corôa (PT) frisou que a educação é o pilar de formação de toda e qualquer sociedade, mas considerou que, no Brasil, ainda se enfrenta o racismo estabelecido a partir do processo educacional. De acordo com o petista, o racismo institucional limita as ações de jovens periféricos dos grandes centros urbanos e das zonas rurais, estando muito atrás, justamente na largada, de outras crianças oriundas da classe média, que têm a oferta desses serviços a partir dos primeiros anos de vida com a creche-escola.
Após um discurso vibrante e emocionado, a coordenadora executiva da Coletiva Mahin, Vilma Reis, entregou formalmente ao Parlamento baiano o documento “Primeira Infância no Centro: garantindo o pleno desenvolvimento infantil a partir do enfrentamento ao racismo” – um projeto articulado por 11 organizações nacionais que atuam em defesa dos direitos das populações negras, quilombolas, indígenas e de terreiros. A professora confessou estar muito feliz “porque a gente está conseguindo conversar com a gestão pública para priorizar esta temática, e dizendo que, sem mecanismo e políticas para desenvolvimento da infância, nós não temos como garantir políticas no futuro para a adolescência, para a juventude e para a população negra em geral”.
Vilma entende que é de extrema importância a educação integral para as mulheres negras e as que vivem nas comunidades quilombolas, principalmente pela permanência da alimentação escolar, tirando o peso das famílias em razão desse momento de profundo empobrecimento. “Quando o Brasil volta ao mapa da fome, é fundamental que a gente pense no acesso à cultura, à educação, à alimentação. Devemos fortalecer a política de creches, pois quando se tira creches é um ataque direto às mulheres”, acrescentou a socióloga, entristecida com as informações de que mais de seiscentas escolas quilombolas foram fechadas nos últimos seis anos no Brasil.
“Nós temos um grande avanço sobre a primeira infância, um aumento considerável do debate público sobre a primeira infância, temos um marco legal que vai trazer garantias e direitos para a primeira infância, de 0 a 6 anos de idade, mas temos uma grande dificuldade de que essas políticas e legislações consigam trazer a interface com as políticas e leis de enfrentamento ao racismo e sexismo”, declarou Letícia Leobet, dirigente do Geledés Instituto da Mulher Negra. Ela esclareceu que este projeto das organizações pretende combater todo tipo de violência que as crianças negras, indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais e de terreiros vivenciam.
“A gente precisa reconhecer os saberes que são aprendidos dentro dessas comunidades específicas, porque só assim a gente vai conseguir ter uma política de primeira infância de qualidade. Estado, sociedade e família. Temos que entender que todos têm uma responsabilidade coletiva de melhorar esse processo”, pontuou Letícia.
Representando a Secretaria estadual de Educação, a professora de matemática Shirley Costa demonstrou interesse em participar mais ativamente desse grupo e falou da importância de se garantir não só a construção de creches, mas que elas tenham professores bem formados, com alimentação segura e ambiente saudável para as crianças. Em nome da Defensoria Pública do Estado da Bahia, a defensora Cynara Fernandes, integrante do Núcleo Criminal, colocou-se à disposição para também se mobilizar em torno da causa, relatando que, “no setor, sentimos aonde vai dar essa falta de políticas públicas na área da educação, da inclusão social, como os jovens negros dessa cidade são selecionados, pinçados equivocadamente pelo sistema penal. É muito triste quando chega na audiência, fora os erros que acontecem, a gente vê aquela pessoa muito mais vítima do que autor de algum fato”.
Participaram ainda da audiência pública Maria Léa Rocha, representando a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre); Bernadete Souza Ferreira, yalorixá do Ilê Axé Ode Ono Ewa, de Ilhéus-BA; professora Hamilta Queiroz, da Creche Professora Hamilta; e Mariselma Bonfim, da Associação de Educadores e Escolas Comunitárias da Bahia, que mostrou sua preocupação quanto à situação das crianças e adolescentes fora da sala de aula após a pandemia da Covid-19. No final do encontro, a deputada Fabíola Mansur se comprometeu a encaminhar as sugestões e proposições do Grupo Articulador do Projeto Primeira Infância, no sentido de elaboração e adequação de políticas públicas e programas que contemplem a diversidade das crianças brasileiras, com direito à liberdade, ao respeito e às condições dignas de existência e pleno desenvolvimento.